Memórias de um Alentejano
Joaquim Rasquete
MEMÓRIAS DE UM ALENTEJANO
PRIMEIRA PARTE
Nos anos 50 , o Alentejo vivia uma grande crise , o seu povo lutava por algo que lhe era negado pelo regime totalitário do Professor Dr António Oliveira Salazar .
Não é fácil viver com fome e sem trabalho , o povo Alentejano apenas queria trabalhar as 8 horas diária , é certo que nem se podiam manifestar , a PIDE , policia politica do governo totalitário português e seus lacaios tinham o prazer de preencher seu tempo , prendendo ou fazer desaparecer as pessoas que tentavam lutar por uma vida mais condigna ,..
No centro do país , ( Beiras ) havia muitos trabalhadores que se deslocavam para o Alentejo a pedido dos latifundiários , para mondar e ceifar o trigo , para além desse trabalho eles vinham também à apanha da azeitona e trabalhavam de sol a sol , prejudicando os trabalhadores Alentejanos que lutavam pelas 8 horas diárias .
Numa Primavera muito quente , começou a chegar ao Alentejo , os trabalhadores vindo das Beiras e com o objectivo de ceifar as cearas de trigo dos latifundiários alentejanos , estes trabalhadores eram alcunhados de ( ratos ) , pelos alentejanos , sempre que chegava pessoal das Beiras , dizia – se que os ratos estavam chegando .
Mas o povo alentejano tinha que comer e para isso tinha que trabalhar , algumas pessoas alentejanas juntavam – se aos ratos recém chegados das Beiras e eram obrigados a trabalhar de sol a sol .
Começa aqui num campo de trigo no Alentejo em que uma jovem beirã com dezasseis anos de idade , se debruçava sobre o caule e espiga do trigo seca numa terra árdua , com o sol a queimar a pele tenra do seu rosto , ela era a Maria , muito novinha , o olhar dos rapazes alentejanos atraiam seus lindos olhos , mas andava lá um rapaz mais esperto e começou a mandar uns olhados constantes para a Maria , ele o António , pensou que ela era presa fácil , mas esqueceu – se que os pais dela estavam atentos a qualquer ataque amoroso à sua filha .
O Sr. Joaquim e a Sra. Florencia , pai e mãe de Maria e beirões de gema , tentaram resguardar sua filha ., mas sem êxito , ela muito jovem e já com sonhos definidos , pensava voar para os braços de um homem , ficando livre das garras de protecção dos seus pais . Ela observava o António e também lhe mandava uns olhados , sorrindo e mostrando o brilho de seus olhos , não foi muito difícil para o António se aproximar dela , mas Sr. Joaquim estava atento e evitou o que se esperava , a aproximação imediata de ambos , parecia que Maria estava apaixonada pelo António , mas ele apenas a galanteava ,era mais uma jovem namorada que passava pelas suas mãos .
Um dia de sol escaldante , o pessoal tinha a boca seca , nos seus rostos rolava o suor desenfreado juntando – se ao pó neles depositado ,o capataz mandou a Maria ir à fonte ali perto de um riacho , e trazer um cântaro de barro com agua para o pessoal , ela de regresso vai distribuindo a agua dentro de um coxo de cortiça a cada pessoa que ali andava ceifando , ao passar pelo António , ele disse – lhe muito baixo :
___ quando fores de novo à agua , eu vou ter contigo para te dar um beijo .
No dia seguinte, antes de romper o sol , todos os trabalhadores se reunião para dar inicio a mais um dia árduo de trabalho , mal começa o sol a apertar , o capataz escolhe de novo a Maria para ir à fonte , ela era a mais nova , mais fraca fisicamente para andar dobrada todo o dia com uma foice nas mãos , Maria dá um sorriso para o António e desloca – se à fonte , era um pouco afastada dos trabalhadores , havia uns molhos de trigo entre o sitio que estavam ceifando e a fonte , não dava muito bem para o pai da Maria a controlar , mas o António pediu ao capataz para ir fazer as necessidades fisiológicas , ele dirigiu – se ao riacho , e por dentro foi subindo sem que alguém visse , acabou por chegar à fonte , Maria estava enchendo o cântaro , ao ver o António ficou tremula e com muito medo que seu pai visse , ela seria castigada e António arriscava – se a levar uma tareia , mas ele ao aproximar – se disse para ela não ter medo que tudo daria certo , confiando nas suas palavras , ambos se sentaram no muro da fonte e olhando um para o outro sem palavras encostaram seus lábios , foi muito levemente , mas de repente se abraçaram e beijaram com intensidade , mas com receio de serem apanhados , separam – se , ela foi com o cântaro cheio de agua ao quadril e ele foi de riacho a baixo até bem perto do local donde estavam ceifando , ficou assim a promessa de se encontrarem de novo .
Com o decorrer dos dias foi acontecendo mais algumas vezes , sem passar de uns beijos e abraços , mas um dia , já o Sr. Joaquim andava desconfiado e resolveu ir espreitar sua filha , foi apanhada em flagrante , António muito assustado e preocupado com a reacção do pai da Maria , pediu de imediato desculpas e disse que não tinha acontecido nada que pudesse prejudicar Maria , sr. Joaquim foi pacifico e muito calmo , contrariando o pensamento de ambos os jovens , ele apenas disse três palavras :
--- Agora vão casar .
Maria e António ficaram sem palavras , ela muito jovem , apenas sabia que gostava do António e ele era mais uma namorada .
No final do dia de trabalho , já com o sol escondido e a temperatura mais baixa , todos regressam ás suas casas , nessa tarde já ninguém ouvia falar o António , ele ficou atormentado , ele não queria casar , mas não sabia como enfrentar o pai de Maria , ela ao chegar a casa foi para a sua cama atirando – se de qualquer maneira , nem tirou sua roupa suja de pó e suor depois de um dia difícil com imenso calor , as lágrimas brotavam de seus olhos e corriam pelo rosto invadindo seu peito , como se tratasse de pequenos riachos em seu corpo , ela sentia – se perdida e com receio que o António a deixasse .
Sra. Florencia , sua mãe foi junto de Maria , conversou e fez ver que a vida é mesmo assim , os filhos têm que respeitar os pais e ela já tinha sido avisada , seu pai só tomou a atitude mais certa , Maria não acreditava no que tinha acontecido .
António , no dia seguinte de madrugada , levanta – se , toma o seu pequeno almoço , era uma fatia de pão de trigo com uma fatia de toucinho de porco aquecido na brasa , as mesmas brasas que serviam para fazer o café de cevada torrada , depois de comer , seguia o seu caminho a pé para o local de trabalho , era ainda distante , mas serviu para ele ir pensando no que deveria dizer ao Sr. Joaquim , para não aceitar o casamento com Maria .
António , ao chegar ao trabalho viu de imediato o Sr . Joaquim , resolveu ir falar com ele e expor a situação de uma forma pacifica sem melindrar o pai de Maria , este por sua vez antecipou – se e disse que para ele apenas servia o casamento , já esteva decidido , mesmo assim António tentou dizer a sua versão , mas Sr. Joaquim não o escutou , abandonando o local donde ambos estavam , mais uma vez não tinha conseguido dizer o que se passava na sua cabeça .
Depois do trabalho , António dirigiu – se a casa de Maria , ele queria de qualquer forma falar com o pai dela , não era fácil . Sr . Joaquim cansado do seu trabalho não queria ouvir as baboseiras do alentejano que se tinha envolvido com sua filha , agora só tinha que pagar por isso , ele tinha que casar com sua filha , ó a vida dele corria riscos . António voltou para casa e viu – se obrigado a contar ao seu pai Sr. José e sua mãe Sra. Maria de Jesus , ele estava preocupado , não sabia o que fazer , nem o que fazer com Maria , depois de seus pais o ouvirem , apenas lhe disseram que ele agora tinha que assumir a responsabilidade e casar – se com a rapariga beirã , teria que a levar para casa de seus pais , ele não tinha casa para poder viver com ela , seu pai que era muito pobre e vivia numa casa térrea , arranjou um cantinho para o casal , dividiram o quarto do seu irmão mais velho José Francisco , com uns painéis feitos de madeira e sacos pintados com cal , arranjaram uma cama de madeira , ficou um quarto muito pobre e pequeno , mas era o que se podia arranjar .
António tinha dois irmãos , o mais velho , José Francisco , era apenas meio irmão , era filho de sua mãe , ela já tinha este filho quando se casou com seu pai , depois tinha a irmã mais nova , a Luísa . uma jovem ainda muito nova , dormia no quarto dos pais .
Havia boa vontade da parte dos pais de António , eles queriam o seu bem estar , queriam que ele fosse responsável de seus actos .
António foi de novo falar com o Sr. Joaquim , pai de Maria , o Sr. beirão ao ver chegar o jovem ficou apreensivo e disse de imediato que não queria conversa fiada , só tinha uma palavra , António dirigiu – se ao seu futuro sogro e disse :
___ Eu vim pedir sua filha Maria em casamento , o sr. Joaquim nem acreditava no que estava a ouvir , ficou sem palavras por alguns instantes , mas depois disse ao jovem :
___ É isso mesmo que eu quero .
Ambos se entenderam , Sr. Joaquim chamou Maria e disse – lhe que ia marcar o dia do casamento , António tinha aceitado , ela parecia ficar feliz , mas pairava a duvida , seria que António aceitou porque gostava de Maria ou porque estava com medo de seu pai .
Ele tinha medo do pai de Maria , mas também era importante assumir sua responsabilidade e era isso que ia fazer .
Ainda na mesma temporada da ceifa dos cereais , Sr Joaquim marcou o casamento , assim sua filha Maria , já não voltava para a sua terra natal , Santa Combadão .
António não ficou muito satisfeito , mas assumiu a sua responsabilidade e aprendeu uma lição muito importante ( não se brinca com os sentimentos das pessoas ) .
António e Maria , continuaram no seu trabalho , desfrutando o seu romance amoroso , nas horas vagas e nos sítios mais escondidos , para não dar muito nas vistas .
Maria , muito jovem e sem experiência , deixa – se levar pela malícia do António e fica grávida , mesmo antes do casamento ela já ia com um feto no seu ventre , tentou sempre ocultar a gravidez para não arranjar mais problemas com o pai .
Ainda no Verão , antes de terminar a temporada , houve o casamento , convidaram – se os familiares mais chegados do lado do noivo e os amigos do lado da noiva , visto ela apenas ter ali os seus pais e os amigos de trabalho . O pai do noivo mata um porco , para todos os convidados se sentirem bem em termos gastronómicos , o padre da Freguesia de Nossa Senhora da Vila fez o casamento , houve então a boda e depois o baile , foi uma festa bem gostosa para todos os presentes .
Começou um novo ciclo para o casal , havia responsabilidade de ambas as partes , havia uma união , havia um filho para nascer , eles tinham que pensar que a vida a partir daquele momento era muito diferente , era uma vida a dois .
António , era muito mulherengo e isso dificultava – lhe um pouco a sua vida , ele gostava muito de curtir com as raparigas e ir para os bailes das aldeias , eram aqueles bailes que se faziam nas aldeias dentro de um armazém com um acordeonista , eram bailes muito populares e cada aldeia tentava sempre ter o melhor acordeonista . António tinha que se privar dessas suas curtes , mas sempre que podia , dava uma escapadela e a fidelidade para com a Maria ficava de imediato em risco .
Acabou a temporada da ceifa e os ratos , como lhe chamavam os alentejanos , foram para as suas terras na Beira .
António e Maria , ficaram a viver em casa dos pais de António , junto com os irmãos José Francisco e Luísa , as condições de habitação eram precárias , não havia luz eléctrica , não havia agua canalizada , as casas eram térreas , não tinham casa de banho e os quartos eram divididos com paredes feitas de madeira e sacas de calhamaço pintadas com cale , os banhos eram tomados dentro do quarto , com agua aquecida num lume de chão e dentro de um alguidar de zinco , assim era a vida das famílias humildes do Alentejo , para Maria isso não era complicado , estava acostumada a esse tipo de vida .
Maria , tinha sua barriga cada vez maior , deixou então de ocultar sua gravidez , sua sogra Maria de Jesus , chamou António e Maria , aconselhou – os a arranjar uma casa para eles estarem mais á vontade , a esposa estava para bebé e a casa era muito apertada , tinham que dividir os quartos , António , sem dinheiro , ficou muito preocupado , mas não havia outra solução á primeira vista que fosse credível .
Passado algum tempo , António conseguiu uma pequena casinha no Monte do Calção , perto da casa de seus pais , nos Foros da Pintada , em Montemor – o – Novo , não tinha condições de habitabilidade , mas era o que ele podia pagar de renda , Maria já não trabalhou mais , a sua gravidez não o permitia , ela passava os dias em casa dos sogros , enquanto o António se deslocava todos os dias vários kms em bicicleta , para o seu trabalho , tinha conseguido numa herdade , a tirar cortiça , era duro de fazer , mas António não se podia negar , precisava de dinheiro para a renda e sustentar sua família , muitas vezes , António , ia de noite ás herdades apanhar boleta. , correndo o risco de ser apanhado pelos guardas das herdades , mas ele assim conseguia algum dinheiro , vendendo as boletas para ração dos porcos .
O Outono tinha chegado , Maria estava perto de ter seu filho ou filha , um certo dia , António estava trabalhando e Maria sentiu – se mal , pediu apoio a uma vizinha , uma senhora com uma certa idade que se aprontou de imediato a ajudar Maria no seu parto . A senhora foi ferver agua , arranjou uns panos brancos , queimou o fio de uma tesoura e arranjou uma cadeira sem fundo . Maria já tinha contracções muito perto umas das outras , a vizinha pediu para ela ter calma , ia cuidar de seu parto , tudo iria correr bem , ela já tinha feito muitos partos e nunca teve problemas , preparou tudo no quarto e Maria quando estava já com muitas dores , sentou – se na cadeira com as pernas abertas e o bebé nasceu sem problemas , a senhora cortou o cordão , deu duas palmadas no rabo do bebé , de imediato ele começou a chorar , foi lavar o bebé e entregou á mãe , era um menino , um lindo menino .
Maria , muito jovem , ficou radiante de alegria , tinha nascido um menino , era mãe .
António , quando regressou do seu trabalho , cansado e sujo , apenas sentia vontade de ir para a cama , mas ao saber que era pai , ficou delirando e gritou bem alto :
___ Sou pai , sou pai …, sou um homem muito feliz .
António , retomou todas as energias , com a noticia do nascimento de seu filho , ele foi a casa de seus pais e contou a novidade , era pai , sua irmã Luísa foi a primeira a saber , ela ficou muito contente , era tia , era o seu primeiro sobrinho , foi de imediato ver a Maria sua cunhada , Luísa adorou o sobrinho . era um menino muito lindo . Os avós paternos Sr José e Maria de Jesus , ficaram também muito contentes .
Começa aqui um novo ciclo , a historia da vida deste menino , filho de António e Maria .
António e Maria , resolveram arranjar os padrinhos para o seu primeiro filho , era muito importante para Maria esse seu primeiro filho , ela arranjou para madrinha do seu filho , a sua irmã Jacinta e o António arranjou para padrinho , o seu irmão José Francisco , Jacinta e José Francisco escolheram o nome para o filhote de Maria e António , o menino foi baptizado com o nome José António , era um lindo nome que os padrinhos escolheram , tinha um pouco a ver com o nome dos pais .
A tia de José António , Luísa adorava o menino , era o seu primeiro sobrinho , todos os dias quando regressava do trabalho , passava por casa de Maria para ver o menino , mas Maria começou a não gostar muito da ideia e escondia o José António de sua tia Luísa , ela ia para casa a chorar , porque Maria não tinha deixado ver o menino . A avó paterna Maria de Jesus foi também ver o menino , mais uma vez Maria escondia o filho , Maria de Jesus dizia para a sua nora que não podia fazer isso , não era justo , todos gostavam muito do José António , mas Maria preferia andar com suas amigas , pessoas com um comportamento pouco ortodoxo , só lhe davam maus conselhos , e levavam - na para lugares pouco adequados para uma pessoa de bem e casada .
António , trabalhava todo o dia e não sabia de nada , mas sua mãe foi obrigada a contar – lhe o que se passava , António ficou triste por tudo aquilo , principalmente sua esposa esconder o filho da família paterna .
António falou com Maria , pediu para ela não voltar a fazer o mesmo , não esconder seu filho da família , ela ficou muito chocada , por saber que sua sogra tinha ido fazer queixinhas ao filho , houve discussão em casa , Maria queria abandonar tudo e ir para casa de seus pais em Santa Combadão e levar consigo o filho , seu marido tentou resolver a situação e acalmou a Maria , ficou tudo bem em casa , mas a situação com a sogra Maria de Jesus , ficou péssima , a avó só podia ver o neto José António , nos dias que António estava em casa e acontecia o mesmo á tia Luísa .
Esta criança era um bombom para a família paternal , mas a mãe não o queria integrar nesta família , proibia os avós e tios paternos de chegarem ao pé do José António .
Na verdade , era um desgosto muito grande para a avó Maria de Jesus e tia Luísa .
António estava a ficar muito aborrecido com toda esta situação , havia constantemente ofensas verbais em casa .
Mais tarde , António resolveu pegar na mulher e filho , foi viver para São Pedro da Gafanhoeira , bem perto de Arraiolos , era uma pequeníssima aldeia , muito pacata , em que todos se conheciam .
António continuava trabalhando longe de casa , mas sua esposa sentia – se melhor assim , estava longe dos familiares e do marido , ela tinha um pensar muito infantil e não sabia cuidar do filho , a alimentação era precária , José António começou a ter imensos problemas de saúde , era muito bebé , pouco mais tinha que o leite materno , no entanto Maria ficou grávida de novo , mas desta vez , longe dos olhares dos familiares do marido , ela não queria ser ajudada , era orgulhosa e só tinha como amigas pessoas de um nível muito baixo , pessoas que não tinham responsabilidade de vida e incentivavam – na a levar uma vida que não era nada própria para uma mulher casada e com um filho .
Chegou Janeiro , um mês muito frio no Alentejo , o gelo todas as manhãs abundava nos prados , foi então quando Maria deu á luz mais um menino , sem apoio familiar , apenas a ajuda das amigas ela teve a criança com o nome de Manuel , ele nasceu com grandes problemas , dizia – se que ele não consegui resistir e morria .
Maria tentou esconder também este filho , da família do marido , mesmo pensando que Manuel seu filho ia morrer .
António e Maria , ao registarem este filho não deram o nome da mãe , apenas o do pai , era obrigatório no registo civil .
Por vezes as coisas não eram como pintavam , Manuel começou a recuperar , o que não acontecia com o José António , tinha diarreias constantemente , muito magro e sempre doente , ingeria alimentos pouco aceitáveis para a idade , havia pouca higiene , tudo isso ajudava á degradação da saúde de José António .
Para a Avó Maria de Jesus e tia Luísa , José António era o menino de ouro , tinham muita pena dele , mas nada podiam fazer , era complicado por duas vertentes .
____ Primeira : era muito longe e havia muita dificuldade nos transportes , a vida também era muito difícil em termos financeiros , Maria de Jesus não tinha muito dinheiro que pudesse despender para se deslocar para tão longe e sua filha Luísa também vivia mal financeiramente .
____ Segunda : Maria não via com bom agrado em sua casa a família do marido , fazia tudo por tudo para que a família do marido não frequentasse a sua casa .
António trabalhava sempre longe de casa , ia de bicicleta a pedal para o Ribatejo , eram muitos quilómetros a pedalar , era uma vida de sofrimento para conseguir ganhar dinheiro para o sustento da casa . levava o avio para uma semana , todos os sábados António regressava a sua casa para ver sua família , as saudades eram muitas , os meios de comunicação eram poucos e nunca sabia como estava a família durante toda a semana . Ao domingo á noite António tinha que voltar para seu trabalho , punha o seu avio no suporte da bicicleta e passava uma grande parte da noite na estrada , na segunda feira de manhã começava a trabalhar .
António fazia todos os trabalhos na vida rural , com a dificuldade de trabalho que havia nessa época , ele agarrava – se a tudo para sustentar a família .
António tinha alguns vizinhos muito amigos dele , ele era muito extrovertido , fazia amizades com muita facilidade .
Certo dia um vizinho chamou – o e disse – lhe , com alguma reserva , porque não sabia a reacção dele :
____ Tua esposa anda – te a enganar , ela está te traindo com outro homem , mas tem calma , tenta ver sem dar nas vistas .
António , agradeceu ao vizinho , mas ficou a ferver por dentro , tinha vontade de ir ter com Maria e dar – lhe uma tuna de porrada , se fizesse isso deitava tudo a perder , ele tinha que apanhar em flagrante , pensou , penso e já de cabeça mais fria resolveu tomar uma decisão , talvez fosse a mais correcta .
Nesse fim de semana , sem que Maria desconfiasse , de uma forma um pouco incomoda para ele , mas viável para atingir seu objectivo , António manteve – se em casa com os filhos e esposa e domingo preparou tudo normalmente como fazia todos os domingos , agarrou no avio e na bicicleta , despediu – se dos filhos e da Maria , para mais uma semana de luta pela sobrevivência longe da família e amigos , mas era tudo simulado , sem que ninguém soubesse António foi deixar a bicicleta e o avio escondido e voltou para perto de sua casa , escondeu – se e deixou que a noite se aproximasse e o escuro natural da noite tomasse conta do monte .
António tinha os olhos bem abertos e já perto da janela do seu quarto , viu um indevido se aproximar da janela , empurrar a portada e saltar muito devagar para não fazer barulho , António ao ver aquilo , o mau estar físico e mental apodera – se dele por alguns instantes , era muito difícil de se controlar , mas conseguiu acalmar – se e assim evitar algo mais trágico , foi em direcção á janela donde o outro homem tinha entrado , apanhando em flagrante sua esposa Maria com esse sujeito , ela ficou sem acção para falar ao ver o marido junto da janela .
Maria pensava que o marido já estava bem longe dali , pois ele tinha saído a caminho do seu trabalho , naquela noite o plano correu mal para Maria , o outro homem fugiu de imediato pela janela e foi uma noite de inferno entre Maria e António , os filhos ficaram traumatizados com toda a gritaria e ofensas verbais de ambas as partes .
António saiu de casa nessa noite , foi buscar a bicicleta e dirigiu – se para casa de seus pais , ao chegar a casa contou o sucedido á sua mãe , ela ficou triste com tudo aquilo , seu filho não merecia o que estava a passar , ela pediu ao António que descansasse e depois de passar algumas horas com a cabeça no travesseiro ficava mais calmo e deveria ponderar muito bem e tentar reconciliação , tentar saber o que levou Maria a tomar tal atitude .
António não estava disposto a voltar a traz , a esposa tinha – o traído , ela iria assumir toda a responsabilidade dos seus actos .
No dia seguinte , António estava muito transtornado , mesmo assim ele pegou na sua bicicleta , meteu o avio em cima dela e abalou para o seu trabalho .
Maria de Jesus preocupada com a situação de seu filho , passado alguns dias resolveu ir ter com sua comadre Florencia , mãe de Maria . Foi recebida de uma forma um pouco amistosa , Florencia já estava imaginando o conteúdo da conversa de sua comadre Maria de Jesus . Era isso mesmo , Maria de Jesus ia tentar saber o que Maria estava a pensar fazer de sua vida e da vida de seus filhos . A resposta era curta e directa :
____ homens há muitos e os filhos não vão morrer á fome …
Não era este o tipo de resposta que Maria de Jesus gostava de ouvir , ficou triste porque sua visita não foi produtiva .
Maria estava disposta a fazer vida com o amante , mas havia algo que contrariava seu objectivo , ele era casado e não estava disposto a abandonar sua mulher , para fazer vida com Maria . Foi um enorme erro que ela cometeu , perdeu o marido e o amante , a vida ficou complicada para a jovem beirã .
Esta jovem de cabeça perdida , tinha caído noutra situação muito desagradável , ela tinha ficado grávida do amante , mesmo assim ele não quis assumir essa responsabilidade , Maria estava perdida , mas nada preocupada .
António vai para a justiça , alegando que o filho que ela trazia não era dele , era do amante , Maria tinha o apoio de sua mãe , neste conflito envolvia também seus dois filhos , o sofrimento era bem visível no rosto de António e seus filhos , Maria parecia estar nada preocupada com a situação , ela era muito jovem e sem responsabilidade de vida .
António ganhou a acção na justiça , era lógico que isso acontecesse .
Foi decidido que cada elemento do conjugue , deveria ficar com um filho , António não aceitou e disse que não queria ficar com nenhum filho á sua responsabilidade.
Maria e sua mãe , decidiram ficar com o Manuel , e José António ficava com o pai , António mais uma vez não aceitou , não tinha condições e também não estava disposto a ter a responsabilidade de um filho .
Um certo dia , Maria e sua mãe Florencia , pegaram no José António e levaram – no a casa de Maria de Jesus para o entregarem á sua avó paterna , visto o pai não querer ficar com o José António . Ao chegarem a casa de Maria de Jesus , ela não estava , tinha ido passar uns dias com seu marido José , numa herdade donde ele pastorava suas ovelhas e ali passava seus dias sozinho com as ovelhas , dois burros e seu companheiro mais fiel , o cãozinho, todos os passos que ele dava o cãozinho dava a traz dele e sempre que necessário , ao toque de um assobio lá ia ele virar as ovelhas . Maria de Jesus aproveitava os dias mais quentes para ir fazer um pouco de companhia ao marido .
Florencia ao ver que Maria de Jesus não se encontrava , dirigiu – se á vizinha Silvina e disse que iria deixar ali o neto José António até que a outra avó viesse para tomar conta dele .
Joaquim Rasquete
MEMÓRIAS DE UM ALENTEJANO
PRIMEIRA PARTE
Nos anos 50 , o Alentejo vivia uma grande crise , o seu povo lutava por algo que lhe era negado pelo regime totalitário do Professor Dr António Oliveira Salazar .
Não é fácil viver com fome e sem trabalho , o povo Alentejano apenas queria trabalhar as 8 horas diária , é certo que nem se podiam manifestar , a PIDE , policia politica do governo totalitário português e seus lacaios tinham o prazer de preencher seu tempo , prendendo ou fazer desaparecer as pessoas que tentavam lutar por uma vida mais condigna ,..
No centro do país , ( Beiras ) havia muitos trabalhadores que se deslocavam para o Alentejo a pedido dos latifundiários , para mondar e ceifar o trigo , para além desse trabalho eles vinham também à apanha da azeitona e trabalhavam de sol a sol , prejudicando os trabalhadores Alentejanos que lutavam pelas 8 horas diárias .
Numa Primavera muito quente , começou a chegar ao Alentejo , os trabalhadores vindo das Beiras e com o objectivo de ceifar as cearas de trigo dos latifundiários alentejanos , estes trabalhadores eram alcunhados de ( ratos ) , pelos alentejanos , sempre que chegava pessoal das Beiras , dizia – se que os ratos estavam chegando .
Mas o povo alentejano tinha que comer e para isso tinha que trabalhar , algumas pessoas alentejanas juntavam – se aos ratos recém chegados das Beiras e eram obrigados a trabalhar de sol a sol .
Começa aqui num campo de trigo no Alentejo em que uma jovem beirã com dezasseis anos de idade , se debruçava sobre o caule e espiga do trigo seca numa terra árdua , com o sol a queimar a pele tenra do seu rosto , ela era a Maria , muito novinha , o olhar dos rapazes alentejanos atraiam seus lindos olhos , mas andava lá um rapaz mais esperto e começou a mandar uns olhados constantes para a Maria , ele o António , pensou que ela era presa fácil , mas esqueceu – se que os pais dela estavam atentos a qualquer ataque amoroso à sua filha .
O Sr. Joaquim e a Sra. Florencia , pai e mãe de Maria e beirões de gema , tentaram resguardar sua filha ., mas sem êxito , ela muito jovem e já com sonhos definidos , pensava voar para os braços de um homem , ficando livre das garras de protecção dos seus pais . Ela observava o António e também lhe mandava uns olhados , sorrindo e mostrando o brilho de seus olhos , não foi muito difícil para o António se aproximar dela , mas Sr. Joaquim estava atento e evitou o que se esperava , a aproximação imediata de ambos , parecia que Maria estava apaixonada pelo António , mas ele apenas a galanteava ,era mais uma jovem namorada que passava pelas suas mãos .
Um dia de sol escaldante , o pessoal tinha a boca seca , nos seus rostos rolava o suor desenfreado juntando – se ao pó neles depositado ,o capataz mandou a Maria ir à fonte ali perto de um riacho , e trazer um cântaro de barro com agua para o pessoal , ela de regresso vai distribuindo a agua dentro de um coxo de cortiça a cada pessoa que ali andava ceifando , ao passar pelo António , ele disse – lhe muito baixo :
___ quando fores de novo à agua , eu vou ter contigo para te dar um beijo .
No dia seguinte, antes de romper o sol , todos os trabalhadores se reunião para dar inicio a mais um dia árduo de trabalho , mal começa o sol a apertar , o capataz escolhe de novo a Maria para ir à fonte , ela era a mais nova , mais fraca fisicamente para andar dobrada todo o dia com uma foice nas mãos , Maria dá um sorriso para o António e desloca – se à fonte , era um pouco afastada dos trabalhadores , havia uns molhos de trigo entre o sitio que estavam ceifando e a fonte , não dava muito bem para o pai da Maria a controlar , mas o António pediu ao capataz para ir fazer as necessidades fisiológicas , ele dirigiu – se ao riacho , e por dentro foi subindo sem que alguém visse , acabou por chegar à fonte , Maria estava enchendo o cântaro , ao ver o António ficou tremula e com muito medo que seu pai visse , ela seria castigada e António arriscava – se a levar uma tareia , mas ele ao aproximar – se disse para ela não ter medo que tudo daria certo , confiando nas suas palavras , ambos se sentaram no muro da fonte e olhando um para o outro sem palavras encostaram seus lábios , foi muito levemente , mas de repente se abraçaram e beijaram com intensidade , mas com receio de serem apanhados , separam – se , ela foi com o cântaro cheio de agua ao quadril e ele foi de riacho a baixo até bem perto do local donde estavam ceifando , ficou assim a promessa de se encontrarem de novo .
Com o decorrer dos dias foi acontecendo mais algumas vezes , sem passar de uns beijos e abraços , mas um dia , já o Sr. Joaquim andava desconfiado e resolveu ir espreitar sua filha , foi apanhada em flagrante , António muito assustado e preocupado com a reacção do pai da Maria , pediu de imediato desculpas e disse que não tinha acontecido nada que pudesse prejudicar Maria , sr. Joaquim foi pacifico e muito calmo , contrariando o pensamento de ambos os jovens , ele apenas disse três palavras :
--- Agora vão casar .
Maria e António ficaram sem palavras , ela muito jovem , apenas sabia que gostava do António e ele era mais uma namorada .
No final do dia de trabalho , já com o sol escondido e a temperatura mais baixa , todos regressam ás suas casas , nessa tarde já ninguém ouvia falar o António , ele ficou atormentado , ele não queria casar , mas não sabia como enfrentar o pai de Maria , ela ao chegar a casa foi para a sua cama atirando – se de qualquer maneira , nem tirou sua roupa suja de pó e suor depois de um dia difícil com imenso calor , as lágrimas brotavam de seus olhos e corriam pelo rosto invadindo seu peito , como se tratasse de pequenos riachos em seu corpo , ela sentia – se perdida e com receio que o António a deixasse .
Sra. Florencia , sua mãe foi junto de Maria , conversou e fez ver que a vida é mesmo assim , os filhos têm que respeitar os pais e ela já tinha sido avisada , seu pai só tomou a atitude mais certa , Maria não acreditava no que tinha acontecido .
António , no dia seguinte de madrugada , levanta – se , toma o seu pequeno almoço , era uma fatia de pão de trigo com uma fatia de toucinho de porco aquecido na brasa , as mesmas brasas que serviam para fazer o café de cevada torrada , depois de comer , seguia o seu caminho a pé para o local de trabalho , era ainda distante , mas serviu para ele ir pensando no que deveria dizer ao Sr. Joaquim , para não aceitar o casamento com Maria .
António , ao chegar ao trabalho viu de imediato o Sr . Joaquim , resolveu ir falar com ele e expor a situação de uma forma pacifica sem melindrar o pai de Maria , este por sua vez antecipou – se e disse que para ele apenas servia o casamento , já esteva decidido , mesmo assim António tentou dizer a sua versão , mas Sr. Joaquim não o escutou , abandonando o local donde ambos estavam , mais uma vez não tinha conseguido dizer o que se passava na sua cabeça .
Depois do trabalho , António dirigiu – se a casa de Maria , ele queria de qualquer forma falar com o pai dela , não era fácil . Sr . Joaquim cansado do seu trabalho não queria ouvir as baboseiras do alentejano que se tinha envolvido com sua filha , agora só tinha que pagar por isso , ele tinha que casar com sua filha , ó a vida dele corria riscos . António voltou para casa e viu – se obrigado a contar ao seu pai Sr. José e sua mãe Sra. Maria de Jesus , ele estava preocupado , não sabia o que fazer , nem o que fazer com Maria , depois de seus pais o ouvirem , apenas lhe disseram que ele agora tinha que assumir a responsabilidade e casar – se com a rapariga beirã , teria que a levar para casa de seus pais , ele não tinha casa para poder viver com ela , seu pai que era muito pobre e vivia numa casa térrea , arranjou um cantinho para o casal , dividiram o quarto do seu irmão mais velho José Francisco , com uns painéis feitos de madeira e sacos pintados com cal , arranjaram uma cama de madeira , ficou um quarto muito pobre e pequeno , mas era o que se podia arranjar .
António tinha dois irmãos , o mais velho , José Francisco , era apenas meio irmão , era filho de sua mãe , ela já tinha este filho quando se casou com seu pai , depois tinha a irmã mais nova , a Luísa . uma jovem ainda muito nova , dormia no quarto dos pais .
Havia boa vontade da parte dos pais de António , eles queriam o seu bem estar , queriam que ele fosse responsável de seus actos .
António foi de novo falar com o Sr. Joaquim , pai de Maria , o Sr. beirão ao ver chegar o jovem ficou apreensivo e disse de imediato que não queria conversa fiada , só tinha uma palavra , António dirigiu – se ao seu futuro sogro e disse :
___ Eu vim pedir sua filha Maria em casamento , o sr. Joaquim nem acreditava no que estava a ouvir , ficou sem palavras por alguns instantes , mas depois disse ao jovem :
___ É isso mesmo que eu quero .
Ambos se entenderam , Sr. Joaquim chamou Maria e disse – lhe que ia marcar o dia do casamento , António tinha aceitado , ela parecia ficar feliz , mas pairava a duvida , seria que António aceitou porque gostava de Maria ou porque estava com medo de seu pai .
Ele tinha medo do pai de Maria , mas também era importante assumir sua responsabilidade e era isso que ia fazer .
Ainda na mesma temporada da ceifa dos cereais , Sr Joaquim marcou o casamento , assim sua filha Maria , já não voltava para a sua terra natal , Santa Combadão .
António não ficou muito satisfeito , mas assumiu a sua responsabilidade e aprendeu uma lição muito importante ( não se brinca com os sentimentos das pessoas ) .
António e Maria , continuaram no seu trabalho , desfrutando o seu romance amoroso , nas horas vagas e nos sítios mais escondidos , para não dar muito nas vistas .
Maria , muito jovem e sem experiência , deixa – se levar pela malícia do António e fica grávida , mesmo antes do casamento ela já ia com um feto no seu ventre , tentou sempre ocultar a gravidez para não arranjar mais problemas com o pai .
Ainda no Verão , antes de terminar a temporada , houve o casamento , convidaram – se os familiares mais chegados do lado do noivo e os amigos do lado da noiva , visto ela apenas ter ali os seus pais e os amigos de trabalho . O pai do noivo mata um porco , para todos os convidados se sentirem bem em termos gastronómicos , o padre da Freguesia de Nossa Senhora da Vila fez o casamento , houve então a boda e depois o baile , foi uma festa bem gostosa para todos os presentes .
Começou um novo ciclo para o casal , havia responsabilidade de ambas as partes , havia uma união , havia um filho para nascer , eles tinham que pensar que a vida a partir daquele momento era muito diferente , era uma vida a dois .
António , era muito mulherengo e isso dificultava – lhe um pouco a sua vida , ele gostava muito de curtir com as raparigas e ir para os bailes das aldeias , eram aqueles bailes que se faziam nas aldeias dentro de um armazém com um acordeonista , eram bailes muito populares e cada aldeia tentava sempre ter o melhor acordeonista . António tinha que se privar dessas suas curtes , mas sempre que podia , dava uma escapadela e a fidelidade para com a Maria ficava de imediato em risco .
Acabou a temporada da ceifa e os ratos , como lhe chamavam os alentejanos , foram para as suas terras na Beira .
António e Maria , ficaram a viver em casa dos pais de António , junto com os irmãos José Francisco e Luísa , as condições de habitação eram precárias , não havia luz eléctrica , não havia agua canalizada , as casas eram térreas , não tinham casa de banho e os quartos eram divididos com paredes feitas de madeira e sacas de calhamaço pintadas com cale , os banhos eram tomados dentro do quarto , com agua aquecida num lume de chão e dentro de um alguidar de zinco , assim era a vida das famílias humildes do Alentejo , para Maria isso não era complicado , estava acostumada a esse tipo de vida .
Maria , tinha sua barriga cada vez maior , deixou então de ocultar sua gravidez , sua sogra Maria de Jesus , chamou António e Maria , aconselhou – os a arranjar uma casa para eles estarem mais á vontade , a esposa estava para bebé e a casa era muito apertada , tinham que dividir os quartos , António , sem dinheiro , ficou muito preocupado , mas não havia outra solução á primeira vista que fosse credível .
Passado algum tempo , António conseguiu uma pequena casinha no Monte do Calção , perto da casa de seus pais , nos Foros da Pintada , em Montemor – o – Novo , não tinha condições de habitabilidade , mas era o que ele podia pagar de renda , Maria já não trabalhou mais , a sua gravidez não o permitia , ela passava os dias em casa dos sogros , enquanto o António se deslocava todos os dias vários kms em bicicleta , para o seu trabalho , tinha conseguido numa herdade , a tirar cortiça , era duro de fazer , mas António não se podia negar , precisava de dinheiro para a renda e sustentar sua família , muitas vezes , António , ia de noite ás herdades apanhar boleta. , correndo o risco de ser apanhado pelos guardas das herdades , mas ele assim conseguia algum dinheiro , vendendo as boletas para ração dos porcos .
O Outono tinha chegado , Maria estava perto de ter seu filho ou filha , um certo dia , António estava trabalhando e Maria sentiu – se mal , pediu apoio a uma vizinha , uma senhora com uma certa idade que se aprontou de imediato a ajudar Maria no seu parto . A senhora foi ferver agua , arranjou uns panos brancos , queimou o fio de uma tesoura e arranjou uma cadeira sem fundo . Maria já tinha contracções muito perto umas das outras , a vizinha pediu para ela ter calma , ia cuidar de seu parto , tudo iria correr bem , ela já tinha feito muitos partos e nunca teve problemas , preparou tudo no quarto e Maria quando estava já com muitas dores , sentou – se na cadeira com as pernas abertas e o bebé nasceu sem problemas , a senhora cortou o cordão , deu duas palmadas no rabo do bebé , de imediato ele começou a chorar , foi lavar o bebé e entregou á mãe , era um menino , um lindo menino .
Maria , muito jovem , ficou radiante de alegria , tinha nascido um menino , era mãe .
António , quando regressou do seu trabalho , cansado e sujo , apenas sentia vontade de ir para a cama , mas ao saber que era pai , ficou delirando e gritou bem alto :
___ Sou pai , sou pai …, sou um homem muito feliz .
António , retomou todas as energias , com a noticia do nascimento de seu filho , ele foi a casa de seus pais e contou a novidade , era pai , sua irmã Luísa foi a primeira a saber , ela ficou muito contente , era tia , era o seu primeiro sobrinho , foi de imediato ver a Maria sua cunhada , Luísa adorou o sobrinho . era um menino muito lindo . Os avós paternos Sr José e Maria de Jesus , ficaram também muito contentes .
Começa aqui um novo ciclo , a historia da vida deste menino , filho de António e Maria .
António e Maria , resolveram arranjar os padrinhos para o seu primeiro filho , era muito importante para Maria esse seu primeiro filho , ela arranjou para madrinha do seu filho , a sua irmã Jacinta e o António arranjou para padrinho , o seu irmão José Francisco , Jacinta e José Francisco escolheram o nome para o filhote de Maria e António , o menino foi baptizado com o nome José António , era um lindo nome que os padrinhos escolheram , tinha um pouco a ver com o nome dos pais .
A tia de José António , Luísa adorava o menino , era o seu primeiro sobrinho , todos os dias quando regressava do trabalho , passava por casa de Maria para ver o menino , mas Maria começou a não gostar muito da ideia e escondia o José António de sua tia Luísa , ela ia para casa a chorar , porque Maria não tinha deixado ver o menino . A avó paterna Maria de Jesus foi também ver o menino , mais uma vez Maria escondia o filho , Maria de Jesus dizia para a sua nora que não podia fazer isso , não era justo , todos gostavam muito do José António , mas Maria preferia andar com suas amigas , pessoas com um comportamento pouco ortodoxo , só lhe davam maus conselhos , e levavam - na para lugares pouco adequados para uma pessoa de bem e casada .
António , trabalhava todo o dia e não sabia de nada , mas sua mãe foi obrigada a contar – lhe o que se passava , António ficou triste por tudo aquilo , principalmente sua esposa esconder o filho da família paterna .
António falou com Maria , pediu para ela não voltar a fazer o mesmo , não esconder seu filho da família , ela ficou muito chocada , por saber que sua sogra tinha ido fazer queixinhas ao filho , houve discussão em casa , Maria queria abandonar tudo e ir para casa de seus pais em Santa Combadão e levar consigo o filho , seu marido tentou resolver a situação e acalmou a Maria , ficou tudo bem em casa , mas a situação com a sogra Maria de Jesus , ficou péssima , a avó só podia ver o neto José António , nos dias que António estava em casa e acontecia o mesmo á tia Luísa .
Esta criança era um bombom para a família paternal , mas a mãe não o queria integrar nesta família , proibia os avós e tios paternos de chegarem ao pé do José António .
Na verdade , era um desgosto muito grande para a avó Maria de Jesus e tia Luísa .
António estava a ficar muito aborrecido com toda esta situação , havia constantemente ofensas verbais em casa .
Mais tarde , António resolveu pegar na mulher e filho , foi viver para São Pedro da Gafanhoeira , bem perto de Arraiolos , era uma pequeníssima aldeia , muito pacata , em que todos se conheciam .
António continuava trabalhando longe de casa , mas sua esposa sentia – se melhor assim , estava longe dos familiares e do marido , ela tinha um pensar muito infantil e não sabia cuidar do filho , a alimentação era precária , José António começou a ter imensos problemas de saúde , era muito bebé , pouco mais tinha que o leite materno , no entanto Maria ficou grávida de novo , mas desta vez , longe dos olhares dos familiares do marido , ela não queria ser ajudada , era orgulhosa e só tinha como amigas pessoas de um nível muito baixo , pessoas que não tinham responsabilidade de vida e incentivavam – na a levar uma vida que não era nada própria para uma mulher casada e com um filho .
Chegou Janeiro , um mês muito frio no Alentejo , o gelo todas as manhãs abundava nos prados , foi então quando Maria deu á luz mais um menino , sem apoio familiar , apenas a ajuda das amigas ela teve a criança com o nome de Manuel , ele nasceu com grandes problemas , dizia – se que ele não consegui resistir e morria .
Maria tentou esconder também este filho , da família do marido , mesmo pensando que Manuel seu filho ia morrer .
António e Maria , ao registarem este filho não deram o nome da mãe , apenas o do pai , era obrigatório no registo civil .
Por vezes as coisas não eram como pintavam , Manuel começou a recuperar , o que não acontecia com o José António , tinha diarreias constantemente , muito magro e sempre doente , ingeria alimentos pouco aceitáveis para a idade , havia pouca higiene , tudo isso ajudava á degradação da saúde de José António .
Para a Avó Maria de Jesus e tia Luísa , José António era o menino de ouro , tinham muita pena dele , mas nada podiam fazer , era complicado por duas vertentes .
____ Primeira : era muito longe e havia muita dificuldade nos transportes , a vida também era muito difícil em termos financeiros , Maria de Jesus não tinha muito dinheiro que pudesse despender para se deslocar para tão longe e sua filha Luísa também vivia mal financeiramente .
____ Segunda : Maria não via com bom agrado em sua casa a família do marido , fazia tudo por tudo para que a família do marido não frequentasse a sua casa .
António trabalhava sempre longe de casa , ia de bicicleta a pedal para o Ribatejo , eram muitos quilómetros a pedalar , era uma vida de sofrimento para conseguir ganhar dinheiro para o sustento da casa . levava o avio para uma semana , todos os sábados António regressava a sua casa para ver sua família , as saudades eram muitas , os meios de comunicação eram poucos e nunca sabia como estava a família durante toda a semana . Ao domingo á noite António tinha que voltar para seu trabalho , punha o seu avio no suporte da bicicleta e passava uma grande parte da noite na estrada , na segunda feira de manhã começava a trabalhar .
António fazia todos os trabalhos na vida rural , com a dificuldade de trabalho que havia nessa época , ele agarrava – se a tudo para sustentar a família .
António tinha alguns vizinhos muito amigos dele , ele era muito extrovertido , fazia amizades com muita facilidade .
Certo dia um vizinho chamou – o e disse – lhe , com alguma reserva , porque não sabia a reacção dele :
____ Tua esposa anda – te a enganar , ela está te traindo com outro homem , mas tem calma , tenta ver sem dar nas vistas .
António , agradeceu ao vizinho , mas ficou a ferver por dentro , tinha vontade de ir ter com Maria e dar – lhe uma tuna de porrada , se fizesse isso deitava tudo a perder , ele tinha que apanhar em flagrante , pensou , penso e já de cabeça mais fria resolveu tomar uma decisão , talvez fosse a mais correcta .
Nesse fim de semana , sem que Maria desconfiasse , de uma forma um pouco incomoda para ele , mas viável para atingir seu objectivo , António manteve – se em casa com os filhos e esposa e domingo preparou tudo normalmente como fazia todos os domingos , agarrou no avio e na bicicleta , despediu – se dos filhos e da Maria , para mais uma semana de luta pela sobrevivência longe da família e amigos , mas era tudo simulado , sem que ninguém soubesse António foi deixar a bicicleta e o avio escondido e voltou para perto de sua casa , escondeu – se e deixou que a noite se aproximasse e o escuro natural da noite tomasse conta do monte .
António tinha os olhos bem abertos e já perto da janela do seu quarto , viu um indevido se aproximar da janela , empurrar a portada e saltar muito devagar para não fazer barulho , António ao ver aquilo , o mau estar físico e mental apodera – se dele por alguns instantes , era muito difícil de se controlar , mas conseguiu acalmar – se e assim evitar algo mais trágico , foi em direcção á janela donde o outro homem tinha entrado , apanhando em flagrante sua esposa Maria com esse sujeito , ela ficou sem acção para falar ao ver o marido junto da janela .
Maria pensava que o marido já estava bem longe dali , pois ele tinha saído a caminho do seu trabalho , naquela noite o plano correu mal para Maria , o outro homem fugiu de imediato pela janela e foi uma noite de inferno entre Maria e António , os filhos ficaram traumatizados com toda a gritaria e ofensas verbais de ambas as partes .
António saiu de casa nessa noite , foi buscar a bicicleta e dirigiu – se para casa de seus pais , ao chegar a casa contou o sucedido á sua mãe , ela ficou triste com tudo aquilo , seu filho não merecia o que estava a passar , ela pediu ao António que descansasse e depois de passar algumas horas com a cabeça no travesseiro ficava mais calmo e deveria ponderar muito bem e tentar reconciliação , tentar saber o que levou Maria a tomar tal atitude .
António não estava disposto a voltar a traz , a esposa tinha – o traído , ela iria assumir toda a responsabilidade dos seus actos .
No dia seguinte , António estava muito transtornado , mesmo assim ele pegou na sua bicicleta , meteu o avio em cima dela e abalou para o seu trabalho .
Maria de Jesus preocupada com a situação de seu filho , passado alguns dias resolveu ir ter com sua comadre Florencia , mãe de Maria . Foi recebida de uma forma um pouco amistosa , Florencia já estava imaginando o conteúdo da conversa de sua comadre Maria de Jesus . Era isso mesmo , Maria de Jesus ia tentar saber o que Maria estava a pensar fazer de sua vida e da vida de seus filhos . A resposta era curta e directa :
____ homens há muitos e os filhos não vão morrer á fome …
Não era este o tipo de resposta que Maria de Jesus gostava de ouvir , ficou triste porque sua visita não foi produtiva .
Maria estava disposta a fazer vida com o amante , mas havia algo que contrariava seu objectivo , ele era casado e não estava disposto a abandonar sua mulher , para fazer vida com Maria . Foi um enorme erro que ela cometeu , perdeu o marido e o amante , a vida ficou complicada para a jovem beirã .
Esta jovem de cabeça perdida , tinha caído noutra situação muito desagradável , ela tinha ficado grávida do amante , mesmo assim ele não quis assumir essa responsabilidade , Maria estava perdida , mas nada preocupada .
António vai para a justiça , alegando que o filho que ela trazia não era dele , era do amante , Maria tinha o apoio de sua mãe , neste conflito envolvia também seus dois filhos , o sofrimento era bem visível no rosto de António e seus filhos , Maria parecia estar nada preocupada com a situação , ela era muito jovem e sem responsabilidade de vida .
António ganhou a acção na justiça , era lógico que isso acontecesse .
Foi decidido que cada elemento do conjugue , deveria ficar com um filho , António não aceitou e disse que não queria ficar com nenhum filho á sua responsabilidade.
Maria e sua mãe , decidiram ficar com o Manuel , e José António ficava com o pai , António mais uma vez não aceitou , não tinha condições e também não estava disposto a ter a responsabilidade de um filho .
Um certo dia , Maria e sua mãe Florencia , pegaram no José António e levaram – no a casa de Maria de Jesus para o entregarem á sua avó paterna , visto o pai não querer ficar com o José António . Ao chegarem a casa de Maria de Jesus , ela não estava , tinha ido passar uns dias com seu marido José , numa herdade donde ele pastorava suas ovelhas e ali passava seus dias sozinho com as ovelhas , dois burros e seu companheiro mais fiel , o cãozinho, todos os passos que ele dava o cãozinho dava a traz dele e sempre que necessário , ao toque de um assobio lá ia ele virar as ovelhas . Maria de Jesus aproveitava os dias mais quentes para ir fazer um pouco de companhia ao marido .
Florencia ao ver que Maria de Jesus não se encontrava , dirigiu – se á vizinha Silvina e disse que iria deixar ali o neto José António até que a outra avó viesse para tomar conta dele .